segunda-feira, 3 de março de 2008

União Nacional contra Maria de Lurdes Rodrigues


Não vou perder-me nos motivos que os professores têm para se mostrar indignados com a actuação da Ministra da Educação, apesar de pessoalmente ter até motivos adicionais aos que têm sido apontados. Não vale a pena bater mais numa senhora que já está a cair. Porém, importa reflectir sobre os motivos que terão levado à formação desta estranha “União Nacional” contra a Ministra, que inclui todos os sindicatos e partidos – incluindo sectores do PS – bem como uma serie de movimentos “espontâneos”. Como explicar esta unanimidade dos docentes que agora despertou, e que antes estava adormecida? Que bicho lhes mordeu que os pôs a mexer? Estão a maltratar o Deixa-Andar?

Evidentemente que o motivo que desencadeou a cadeia de manifestações que actualmente se vive foi o Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro, que estipula como deverá decorrer o processo de avaliação dos professores. Em muitos pontos a Ministra falhou ou não foi hábil num processo delicado, onde as novidades iam surgindo de dia para dia, num trabalho feito em cima do joelho e ao sabor da inspiração de cada dia, oferecendo pretexto a uma assinalável indignação legítima dos professores. Eu tomo a liberdade de me incluir neste conjunto.

Agora quando vejo nos TeleJornais a “União Nacional” contra a Ministra, lembro-me de muitas coisas, ainda de forma desestruturada, mas que gostaria de deixar aqui registadas:

1. Cavaco Silva, enquanto professor de Economia Pública explicava no início dos anos 80 que os professores não precisavam de ser bem remunerados porque eram “professoras”, e se ganhassem melhor poriam em causa o poder dos maridos;

2. Os Licenciados foram aceitando salários mais baixos enquanto docentes, relativamente a outras profissões, porque dispunham de outras regalias, designadamente a ausência de um chefe para aturar e um horário de 22 horas lectivas semanais.

3. As escolas aceitaram todos os Licenciados desempregues até ao dia em que ficaram com as suas vagas preenchidas. A partir do momento em que ficaram "cheias", a sociedade portuguesa começou a conhecer o fenómeno de desemprego entre os Licenciados. A geração que encheu as escolas nunca conheceu o desemprego, mas isso não significa que seja mais competente, apenas teve a vantagem de viver noutra conjuntura económica e social, mas não o reconhece, e luta por direitos adquiridos que são uma miragem para os jovens.

4. Muitos professores colocados nas escolas, conseguem ter tempo para uma segunda actividade, o que é plenamente aceite pelos colegas por “a escola pagar mal”. Evidentemente que nunca têm tempo para ler um mal nem a Web. Alguns terão tido a primeira experiência com a Internet no Concurso para Professores Titulares...

5. A Ministra inventou a estupidez das aulas de substituição, nas quais se transformam os professores em cães de guarda para evitar que o rebanho se tresmalhe. Compreendo que queira segurança nas escolas e poupar dinheiro ao Ministério. Não compreendo que roube aos jovens tempo de convívio e que deixe subtilizados os centros de recursos que actualmente equipam as escolas.
A escola a tempo inteiro agrada às famílias que querem ter os filhos à guarda dos professores, mas traduz-se na sobrecarga destes, sem proveitos para os alunos.

6. A Ministra impôs uma sobrecarga de trabalho a todos, provavelmente na esperança de que aqueles que têm duplo ou triplo emprego abandonassem a escola. Não teve coragem para impedir as acumulações pelo simples controlo das declarações de IRS, e agora ouvirá os seus assobios no momento da saída.

7. A Ministra provavelmente mudou mais a escola em 3 anos que os seus colegas em 30. Tinha ideias fortes e incontestáveis: 1) a necessidade de criação de uma hierarquia; 2) a necessidade de avaliação dos docentes. Estes dois pontos podem parecer pouco, mas representam uma alteração radical da vida das escolas.
Recordo-me no primeiro ano em me foram distribuídas tarefas na escola, as despachei o mais rapidamente que pude. Então deram-me mais trabalho, e fui avisado que se fosse demasiado rápido levaria uma nova dose. Assim me ensinaram que o trabalho na escola “não é para ser feito, é para ir fazendo”. Foi assim que me socializaram no funcionalismo, que nivela todos os professores e obviamente detesta a avaliação. É este espírito que eu vejo na “União Nacional”.

8. A Ministra precisava de um Primeiro-Ministro que a apoiasse contra as corporações profissionais, mas Sócrates não tem legitimidade para isso. Afinal ele nem concluiu a Licenciatura, e pelo menos do ponto de vista académico, importantíssimo para os professores, Sócrates está uns pontos abaixo deles. E como o seu objectivo prioritário é manter-se na chefia do Governo, certamente que sacrificará Maria de Lurdes Rodrigues, (2005-2008).

9. Um aspecto positivo da indignação manifestada é a comparação que os professores fazem entre os seus vencimentos e os de outros servidores de Estado muito melhor remunerados, como os políticos e os juízes. A Internet possibilita hoje o acesso à lista mensal dos aposentados e reformados, logo à entrada do site da Caixa Geral de Aposentações, tornando as desigualdades na repartição do rendimento ilegítimas mais difíceis de suportar, mais intoleráveis. E Portugal tem indicadores vergonhosos segundo os parâmetros europeus quando se observa a distribuição do rendimento, problema que não é acessório quando se debate a educação. As questões andam certamente correlacionadas, porque maior rendimento significa sempre maior liberdade de escolha, e procura-se sempre a qualidade, também na educação.

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