terça-feira, 9 de dezembro de 2025

As Viúvas Silenciosas e o Milagre Desejado


Existe um conjunto razoável de comentadores, políticos e antigos bloggers, conhecidos na gíria como “as viúvas de José Sócrates”, que hoje em dia já não têm coragem para o defender publicamente, como fizeram noutros tempos com fervor. No entanto, o seu fervor não se desvaneceu, apenas se tornou discreto: rezam em segredo pelo fracasso da Operação Marquês.

Em bom rigor, esta gente está-se nas tintas para o destino de Sócrates, politicamente morto e enterrado. Mas não se está nas tintas para as suas reputações. A possibilidade de verem a acusação falhar, ou o julgamento borregar, é a derradeira oportunidade para limpar algumas nódoas do lastimável currículo que ostentam nesta matéria.

Este silêncio e o desejo de anulação judicial ganham uma dimensão ainda mais irónica quando se olha para a situação financeira do próprio Sócrates, que continua a desafiar a lógica, fazendo fé no Observador.

  • Viagens de Luxo vs. Rendimento Declarado: O Ministério Público demonstrou preocupação com as viagens de Sócrates a Abu Dhabi, em novembro, temendo uma possível fuga à justiça. Essas duas viagens ao Médio Oriente, em classe executiva, terão custado cerca de 10 a 15 mil euros.

  • A Pensão: O rendimento declarado do ex-primeiro-ministro é a pensão vitalícia anual de 2.372 euros brutos mensais, o que ronda os 1.900 euros líquidos — um total de cerca de 26.600 euros anuais.

  • As Contas que Não Batem Certo: As duas viagens a Abu Dhabi por si só podem ter consumido mais de metade do rendimento anual de Sócrates.

A este enigma somam-se as custas judiciais: o antigo chefe de Governo já teve de pagar 16.746,60 euros só ao Tribunal Constitucional desde 2015, e ainda pendiam à data de notícias mais de 15 mil euros no Tribunal da Relação de Lisboa.

Quando confrontado com a discrepância entre os seus gastos e o seu rendimento declarado, Sócrates tem sido intransigente, recusando-se a esclarecer a sua situação económica, seja à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) ou à imprensa. A resposta é sempre a mesma: “Não pretendo partilhar a minha vida privada com estranhos.”

A matemática da vida de José Sócrates, com as viagens de executiva e as custas de milhares de euros, é tão misteriosa quanto a persistente fé das suas “viúvas” no fracasso da Operação Marquês. Ambas, de certa forma, dependem de um milagre.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

💰 O Declínio do 'Self-Made Man' e a Ascensão dos Herdeiros Dourados

É com profunda tristeza que vos trago a mais recente novidade do panorama financeiro global, cortesia do prestigiado banco suíço UBS: o self-made man está a ser catalogado, muito simplesmente, como uma espécie em vias de extinção, especialmente nas plagas europeias.

Diz o recente Billionaire Ambitions Report que o modelo do empresário que forja a sua fortuna a ferro e fogo, "do zero" e com o suor da testa, é já uma relíquia. O novo trend de 2025? A velha e boa herança.

Na Europa, a estatística não perdoa: os herdeiros já superam os criadores de riqueza. É uma tendência que nos enche o coração de esperança... por um futuro onde a única habilidade necessária é ter tido a sorte de nascer na família certa.

Antigamente, para se ser um multimilionário, era preciso ter uma ideia genial, gerir impérios e, vá lá, trabalhar umas 80 horas por semana. Hoje, segundo o relatório, os jovens afortunados "precisaram apenas de esperar sentados" pela "grande transferência de riqueza". Que sacrifício hercúleo!

Na Europa Ocidental, concentrámos metade dos 91 novos herdeiros mundiais. Foram 149,5 mil milhões de dólares transferidos para a nova geração, numa operação que exigiu, presumimos, a penosa tarefa de assinar uns papéis.

E o crescimento, meus amigos, o crescimento é fulgurante:

  • Herdeiros: Crescimento anual de 36%. (Fica fácil crescer quando se é catapultado de $0 para $1 bilião com uma assinatura.)

  • Self-Made: Crescimento anual de míseros 13%. (Pois é, trabalhar dá um bocado mais de trabalho...)

A Nova Regra de Ouro: Preservar 🛡️

O director do UBS diz que o foco agora é "preservar o património para capacitar a próxima geração a ter sucesso de forma independente e responsável". É de uma beleza enternecedora! A independência e a responsabilidade começam, claro, com um colete de salvação de biliões fornecido pelo papá.

E notemos bem: a riqueza da velha guarda tecnológica e industrial, essa sim, feita com invenção, está a ser entregue à nova geração para que a preservem. A grande façanha da nova elite não será inovar ou construir, mas sim... não estragar.

Portanto, meus amigos, se andam a tentar "fazer a vossa própria sorte", parem com essa loucura antiquada. A verdadeira ambição, em 2025, é simplesmente ser filho de alguém que já fez o trabalho.

Pax Vobis! E boas heranças!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O Dr. ainda pedala para quê?

Vivi num primeiro andar, que tinha escritório com varanda, frente a um bar. Quando lá ia, o patrão, gorducho, observa-me:

- Todas as noites, verifico que Dr. tem a luz acesa naquela varanda. Ainda está a estudar? O que o faz correr? Ainda pedala mais para quê?

O que realmente estaria perguntando, sem perceber é: "Como usa o seu tempo de forma tão significativa?"

40 anos depois, o Mundo mudou, a casa e a mulher são outras, mas a luz do meu escritório contínua acesa. Hoje, recordei-me daquela pergunta. Não sei qual é o objectivo, sou assim, experimento após experimento, erro após erro.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

A IA vai padronizar (ainda) mais a avaliação escolar e reduzir a autoridade professoral


Embora no meu trabalho docente, só nos últimos dois anos tivesse sentido o impacto da Inteligência Artificial (IA) na avaliação escolar e na autoridade professoral, 40 anos de serviço e as referências teóricas dos regimes de justificação (Luc Boltanski e Laurent Thévenot) ofereceram-me um quadro de pensamento robusto que permite analisar o seu potencial efeito a partir da discussão sobre a automação e a objectivação da avaliação através de ferramentas estatísticas e regulamentares.


Esta grelha de análise sugere que a generalização de um sistema automatizado ou altamente objectivado (como poderia ser a IA) poderá, de facto, aumentar as dificuldades dos professores tanto na avaliação quanto na manutenção da sua autoridade, visto que estas dependem crucialmente da dimensão humana, moral e decisória do docente.



Dificuldades na Avaliação Escolar


A avaliação escolar, embora frequentemente tratada como um exercício puramente técnico e quantificável, não é suscetível de automatização. Por mais precisos que sejam os critérios estabelecidos, a avaliação não se reduz a puras medições de conhecimentos ou competências.


1. A Necessidade do Julgamento Professoral: A classificação é sempre o resultado das decisões tomadas pelos professores. O acto de atribuir uma nota exige um "julgamento actuante", que humaniza a avaliação, distinguindo-a de uma eventual avaliação automática realizada por um programa informático. Este julgamento integra aspectos que vão além do mero desempenho cognitivo, como a dimensão moral e os diferentes regimes de justificação (industrial, doméstica, cívica).


2. A Tensão entre o Técnico e o Moral: O sistema escolar, impulsionado pela "justificação industrial" (que valoriza a padronização e a objectividade, usando a média aritmética como ferramenta central), tenta reduzir a classificação a um cálculo. Contudo, os professores sentem-se obrigados a reajustar os critérios em função das turmas, e a dimensão moral sobrepõe-se às questões técnicas nas situações de dúvida que possam prejudicar os alunos. Um exemplo claro é a rarefação dos "9's" (nota limítrofe), que são evitados porque a diferença entre o 9 e o 10 tem graves consequências no futuro do aluno (reprovação vs. aprovação).


3. Reforço do Mito da Mensurabilidade: Se a IA for generalizada para objectivar ainda mais o processo (seguindo a lógica da justificação industrial), ela limitaria o espaço de manobra do professor para exercer o seu julgamento actuante e integrar aspectos contextuais e morais (justificação doméstica). Se o cálculo se torna o expoente máximo da objectividade, o professor pode ver-se forçado a basear-se numa aritmética que se aplica a um domínio que não é mensurável (a educação). Isto intensificaria o dilema entre a necessidade de objectividade e a necessidade de justiça contextual.



Dificuldades na Autoridade Professoral


A autoridade do professor está intimamente ligada ao sistema de avaliação. A avaliação funciona como um mecanismo de sanções e recompensas, que é indispensável para a regulação das condutas na turma e a motivação para o trabalho escolar.


1. O Papel da Classificação na Regulação: A possibilidade de atribuir e gerir a classificação é uma dimensão essencial da autoridade do professor. O professor usa as notas estrategicamente, por exemplo, para obrigar o aluno a trabalhar até ao fim do ano ou para gerir as expectativas (vg. atribuindo notas mais baixas no 2º período para forçar maior empenhamento no 3º).


2. Limitação da Estratégia Pedagógica: A autoridade professoral não se pode apoiar apenas em regulamentos. Ela é legitimada pela coerência das classificações, que devem reflectir o trabalho. Se um sistema automatizado (IA) assumir o veredicto final com absoluta neutralidade e sem margem para adaptação individual ou contextual (o que seria típico da justificação industrial levada ao extremo), o professor perde a capacidade de usar a nota como "ameaça e moeda de troca" ou como instrumento de apoio (justificação doméstica).


3. Esvaziamento do Veredicto: A autoridade do professor depende do seu poder de seleccionar e ordenar os alunos. A introdução de sistemas externos e universalmente aplicados (como IA generalizada) tende a homogeneizar o espaço nacional e anular a avaliação dos aspectos não-cognitivos (comportamento, esforço). Embora a padronização seja defendida pela justificação cívica para garantir igualdade de critérios, a autoridade do professor em sala de aula é reforçada pela integração das atitudes e do empenhamento. Se a IA anular esse espaço de discricionariedade, a autoridade do professor na gestão e motivação do trabalho diário será enfraquecida, pois a legitimidade do seu veredicto professoral seria diluída por um processo externo e técnico.


Em resumo, a a generalização da IA – ao automatizar ou objectivar o processo de classificação, de forma semelhante à forma como as médias aritméticas e os critérios de exame padronizaram e cristalizaram a pedagogia – tenderia a reforçar o predomínio da justificação industrial na avaliação. Isso tornaria mais complexo o exercício da avaliação e da autoridade, na medida em que minaria a capacidade do professor de introduzir os necessários juízos morais e adaptações pedagógicas (justificação doméstica) essenciais para legitimar as notas e motivar os alunos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

🤬 A Força Insuperável do F*! (e o Universo Paralelo do Apoio ao Cliente)

Caros leitores, venho hoje partilhar convosco uma saga épica de acesso digital, onde a burocracia se revela uma arte refinada e a tecnologia uma peça de stand-up comedy mal ensaiada. O título é autoexplicativo, mas preparem-se para os detalhes que fariam Sísifo invejar a minha persistência.

O palco: o Universo (a loja, não a galáxia, infelizmente). O problema: a singela necessidade de entrar na minha conta. Como mudei o meu número de telemóvel — esse objeto tão volátil e propenso a alterações como as promessas eleitorais —, perdi, como é lógico, o acesso. O sistema, na sua infinita sabedoria, exige o número que já não possuo. Um paradoxo existencial digno de um filósofo pré-socrático.

📧 A Missiva e a Iluminação

Decidi, com a calma dos justos, enviar um e-mail. A resposta do serviço de apoio foi um primor de clareza inútil:

"Relativamente ao seu pedido de alteração de telemóvel, informamos que a operação requer o envio de um código de segurança único, enviado exclusivamente através de contacto com a Linha de Apoio."

Fantástico! O sistema online não permite a mudança porque requer um código, mas para obter o código... tenho de ligar. Quase consigo ouvir o coro angelical da eficiência a entoar um hino à redundância.

🤖 O Diálogo de Surdos com o Ser Supremo

Munido do número 308 811 418 e da minha melhor paciência Zen, liguei. Do outro lado, um robot de apoio ao cliente (vamos chamá-lo "Bóris") saudou-me. Expliquei a Bóris, com a devida solenidade, que desejava "MUDAR O NÚMERO DE TELEMÓVEL".

Bóris, no auge da sua programação avançada, respondeu: "Claro! Para mudar o seu número, aceda às configurações na app ou no site."

Momento de silêncio.

Eu: "Bóris, eu não tenho acesso à app nem ao site porque mudei o número. É esse o problema."

Bóris: "Compreendo. Para sua segurança, enviei um código para o número associado."

(O número antigo, claro. O número que eu não tenho. Aquele que deu origem a toda a trapalhada. Um toque de génio.)

Esta dança absurda prolongou-se por uns gloriosos 30 minutos. Eu pedia um operador humano. Bóris, o guardião da linha, respondia, com a confiança de um hacker reformado: "Não vale a pena, sou eu que resolvo o seu problema."

💥 O Desfecho Catártico

Chegou o momento em que a paciência, essa virtude tão sobrevalorizada, se esgotou. A cortina de boas maneiras rasgou-se.

Eu, com a voz embargada pela exasperação acumulada de 30 minutos a falar com uma cassete avariada, soltei a frase mágica, a senha universal que destranca qualquer porta burocrática:

"F* PASSA ESSA M* A ALGUÉM!"

Oh, a ironia! Foi o grito primal, o palavrão sincero e de três sílabas, que finalmente quebrou o feitiço. O que a lógica, o e-mail e a educação não conseguiram, a força bruta da interjeição concretizou.

Bóris, subitamente submisso, disse: "Vou passar a chamada a um operador."

Esperei mais 15 minutos (a cereja no topo do bolo da eficiência), mas, finalmente, o problema foi resolvido por um ser humano com a capacidade de compreender que "mudei o número" significa, de facto, que "mudei o número".

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Para bom entendedor...

  ... meia palavra basta!





Governo promete nova Agenda Nacional de IA "nas próximas semanas", e quer “dar a cada aluno um tutor de IA"


Expresso


... “dar a cada aluno um tutor de IA que ouve, orienta e inspira a sua aprendizagem”.

Qual o papel dos professores, se se “der a cada aluno um tutor de IA que ouve, orienta e inspira a sua aprendizagem”?

O Gemini responde.

sábado, 18 de outubro de 2025

Reflexos na Areia: A Filosofia de uma Praia Inclusiva


À entrada da praia, onde a espuma das ondas se mistura com sotaques de toda a Europa, fui interceptado por uma tabuleta simples, mas profunda:

"Your perception of me is a reflection of you... enjoy"

Num primeiro momento, a frase pode parecer apenas mais uma citação "zen" de praia. No entanto, neste nosso "laboratório" de diversidade — um spot de surf com jovens de diferentes nações, onde o inglês é a nossa ponte e a inclusão é a nossa onda — esta máxima ganha uma ressonância especial.

Portanto, da próxima vez que passar por esta praia, não olhe apenas para os surfistas. Olhe para o espelho que eles lhe oferecem. E, acima de tudo, enjoy (aproveite) o que o seu reflexo lhe mostra.

As Viúvas Silenciosas e o Milagre Desejado

Existe um conjunto razoável de comentadores, políticos e antigos bloggers , conhecidos na gíria como “as viúvas de José Sócrates” , que hoje...