segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Somos 7.000 milhões



De acordo com uma projecção das Nações Unidas, o planeta irá superar hoje a barreira dos 7 mil milhões de habitantes. Mesmo sendo uma estimativa (baseada nos mais recentes censos e registos de população, compilados pelas Nações Unidas desde os anos 50), a mesma tem o mérito de nos permitir reflectir sobre as oportunidades e os riscos que decorrem do rápido crescimento da população mundial.

Muito mudou desde o nascimento do habitante 6 mil milhões em 1999, que se convencionou simbolicamente ser o bósnio Adnan Nevic. Desde então, o mundo foi confrontado com a maior crise económica desde a Segunda Guerra Mundial, que ainda está longe de estar ultrapassada. Viu aumentar a ameaça do terrorismo e das alterações climáticas. Mas foi também testemunha do início da transição para a democracia de alguns regimes autocráticos, e da afirmação do poder económico e político de países emergentes como a China, a Rússia, a Índia e o Brasil.

A maldição Malthusiana e a Revolução Verde

O primeiro grande estudo sobre o crescimento da população foi publicado em 1798 pelo Reverendo inglês Thomas Malthus, um dos maiores economistas de sempre. Na obra “ Ensaio sobre o Princípio da População”, Malthus manifesta a sua preocupação com o crescimento populacional acelerado, num contexto de miséria da classe operária no Reino Unido. Baseado nas suas observações, defendeu que, na ausência de guerras, epidemias ou desastres naturais, a população iria crescer em progressão geométrica (ex. 2 – 4 – 8 – 16 – 32 – 64, etc.) a cada 25 anos, enquanto os meios de subsistência apenas cresceriam em progressão aritmética (ex. 2 – 4 – 6 – 8 – 10 – 12, etc.), sendo limitada pela extensão territorial. A natureza encarregar-se-ia de repor o equilíbrio, através do aumento da mortalidade decorrente de epidemias e da fome: «O poder da população é de tal forma superior ao poder da terra produzir a subsistência do Homem, que a morte prematura irá, de uma forma ou outra, visitar a raça humana». Para evitar tal destino, Malthus propunha que as pessoas só tivessem filhos se possuíssem terras cultiváveis para os alimentar.

Felizmente, o tempo não viria a dar razão a Malthus. Não só a população do planeta não duplicou a cada 25 anos, como a produção de alimentos conseguiu acomodar o crescimento da população, devido à inovação tecnológica e aos significativos aumentos de produtividade agrícola, em particular na 2ª metade do Século XX. A criação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla original), em 1945, traduziu o desejo de aumentar a produtividade das colheitas e eliminar a fome.

A população mundial cresceu de 2,5 para 6,6 mil milhões de pessoas desde 1950, tendo a produção agrícola anual subido de 1,1 para 2,7 toneladas por hectare. No mesmo período, a área cultivada cresceu cerca de 10%, a nível mundial.


O expressivo aumento da produção agrícola resultou da introdução de novos processos de cultivo (a partir de 1943 no México e com especial incidência na década de 1960 na Índia e no Paquistão), baseados em programas de pesquisa científica (biotecnologia e genética), que levaram à crescente utilização de pesticidas, fertilizantes (à base de nitrogénio sintético), novas formas de irrigação e novas gerações de sementes. O pai da chamada “Revolução Verde”, o norte-americano de ascendência norueguesa Norman Borlaug, foi mesmo agraciado em 1970 com o Prémio Nobel da Paz, pelo seu contributo para o combate à fome a nível mundial.

Para a rápida expansão da população mundial, que tem acrescentado 1.000 milhões de novos habitantes a cada 12 a 15 anos, foram igualmente decisivos a melhoria dos cuidados de saúde e o acesso a saneamento e água potável, que permitiram aumentar a esperança média de vida global de 48 anos em 1950 até perto dos 70 anos na actualidade. Também a mortalidade infantil (crianças até 5 anos) registou um retrocesso notável, de cerca 40% no final do século XIX para menos de 7% hoje (e menos de 1% na generalidade dos países desenvolvidos).

De acordo com as estimativas das Nações Unidas, a taxa de crescimento populacional das últimas décadas não se irá manter, devido ao progressivo acesso dos países emergentes a métodos modernos de planeamento familiar, o que deverá permitir a descida da taxa de fertilidade de 5 filhos por mulher (dos 15 aos 49 anos) em 1950, para 2,5 no período 2010-2015, até ser atingida a taxa de 2,1 que é considerada como taxa de substituição natural. No gráfico seguinte, está representado o cenário central, que assume que serão atingidos 10,1 mil milhões de habitantes em 2100, bem como dois cenários extremos de baixa e alta fertilidade, que implicam valores finais de 6,2 e 15,8 mil milhões, respectivamente.


Quais os principais desafios associados ao crescimento da população?

1. Mercados Emergentes: expansão da classe média e das cidades

De acordo com as Nações Unidas, 97% do actual crescimento populacional vem dos países emergentes, os quais já representam 80% da população mundial. Os jovens têm um peso significativo nestes países, já que 31% dos habitantes têm menos de 15 anos (o que compara com apenas 18% nos países desenvolvidos).

Os salários médios dos países emergentes são ainda 7 vezes inferiores aos dos desenvolvidos, mas espera-se que a expansão da classe média nos emergentes seja exponencial. De acordo com um estudo da Goldman Sachs (1) «estamos no meio de uma explosão sem precedentes da “classe média mundial”, e o ritmo de crescimento só tenderá a intensificar-se». Até 2030, 2.000 milhões de pessoas poderão juntar-se à classe média, o que terá «implicações profundas nos hábitos de consumo, utilização de recursos e pressões políticas». O acesso à classe média, definida como a população com rendimentos anuais entre 6.000 e 30.000 dólares (em paridades de poder de compra), marca o fim de um padrão de consumo que se limita à subsistência, e o início de outro em que se torna possível a aquisição de bens como carne, telemóveis, televisores e frigoríficos, ou mesmo serviços financeiros.

Outra das maiores transformações das próximas décadas passa pela crescente urbanização. Estima-se que, até 2050, a população urbana deverá duplicar em todo o mundo, subindo o seu peso na população mundial de 50% para 70%, crescimento praticamente todo concentrado em países emergentes. Esta evolução implicará uma revolução nas suas infra-estruturas, nomeadamente nas principais redes de transportes, energia, água e comunicações.

2. Pressão sobre os recursos naturais

Terá o planeta capacidade para albergar mais 2.300 milhões de pessoas até 2050? De acordo com a FAO, a produção de alimentos terá que aumentar 70% face aos níveis actuais, mas o investimento actual em novas tecnologias agrícolas e alimentares é insuficiente para atingir tal objectivo. Entre 1950 e 2007, a produtividade agrícola cresceu 3,5 vezes, mas parece estar a estagnar.

A escassez de terrenos agrícolas cultiváveis é um dos factores de preocupação. Estima-se que existissem em 1950 cerca de 0,5 hectares de terrenos agrícolas por pessoa. Em 2010, este valor deverá ser menos de metade. Nos países emergentes, em particular, o processo de urbanização e industrialização desvia cada vez mais terrenos para a construção de cidades.

Por outro lado, 2.000 milhões de pessoas vivem em áreas com escassez de água potável, sendo a sua disponibilidade cada vez mais limitada a nível mundial. Espera-se um aumento do consumo de 50% até 2025 nos países emergentes, ano em que mais de metade dos países do mundo deverão ter falhas pontuais de água potável.

Também as condições climatéricas extremas tenderão a condicionar cada vez mais as colheitas agrícolas. Estima-se que o aquecimento global possa reduzir a produção agrícola em cerca de 15% até 2020.

3. Envelhecimento dos países desenvolvidos

Na medida que a esperança média de vida tem vindo a aumentar e o nível de natalidade a diminuir, em particular nos países desenvolvidos, a tendência para o envelhecimento da população parece irreversível. Estima-se que a população com idades superiores a 65 anos possa duplicar até 2060.

Já actualmente, mais de 80 países (cerca de 42% da população mundial) têm um nível de natalidade inferior à taxa de substituição natural (2,1 filhos por mulher). A tendência é mais marcada na Europa e no Japão, que poderão perder metade da sua população até 2100.

O caso português é particularmente gritante, já que temos a 2ª taxa de fertilidade mais baixa do mundo (1,3 filhos) estimada para o período 2010-2015, a par da Áustria e Malta, e apenas atrás da Bósnia-Herzegovina (1,1 filhos).

No cenário “médio” das Nações Unidas, a população portuguesa deverá começar a decrescer em 2014, perdendo cerca de 4 milhões de habitantes até 2100. No pior cenário, o ano de pico será já 2011, podendo perder 7 milhões de habitantes até 2100.


Desde logo, esta evolução tem repercussões sobre a procura de medicamentos e cuidados de saúde: estima-se que as pessoas com mais de 65 anos consomem em média 4 vezes mais medicamentos do que as mais novas.

Dado que uma pessoa com 65 anos pode hoje em dia esperar viver mais 19 anos, em média, aumentarão igualmente as oportunidades para empresas relacionadas com geriatria e turismo sénior, mas também as pressões financeiras para os sistemas de segurança social: em 2000, existiam 4 pessoas na vida activa por cada reformado com mais de 65 anos, nos países desenvolvidos. Em 2020, serão 2,7 pessoas activas por cada reformado.

A confirmarem-se estas previsões, poderá estar em causa o próprio modelo de vida ocidental.

Em conclusão...

Desde que Malthus apresentou a sua visão catastrofista em 1798, o mundo superou por 7 vezes a barreira de 1.000 milhões de novos habitantes, 5 das quais após a Segunda Guerra Mundial, num período em que novas descobertas científicas nas áreas de produtividade agrícola e cuidados de saúde permitiram ultrapassar a “maldição” do Reverendo inglês.

Estima-se que a capacidade de produção agro-pecuária actual permita alimentar cerca de 9 mil milhões de pessoas. O facto de uma parte significativa da população mundial, em particular na África subsariana, ainda ser castigada com fome e falta de acesso a cuidados básicos de saúde, resulta sobretudo de problemas políticos e de uma deficiente distribuição da riqueza mundial.

Ainda assim, as Nações Unidas têm aproveitado o dia em que se assinala a chegada do habitante 7 mil milhões para chamar a atenção para os riscos do excesso de população, apelando ao reforço do investimento na saúde e educação dos cerca de 215 milhões de mulheres que ainda não têm acesso a métodos modernos de contracepção, apesar de o desejarem.

Não pondo em causa o princípio de que um crescimento sustentável da população permite diminuir a pressão sobre os recursos naturais do planeta, melhorando a qualidade global de vida, convém ter presente que a tendência de decréscimo da fertilidade pode ser difícil de inverter, como têm concluído diversos países desenvolvidos.

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