segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A hipocrisia dos moralistas num sistema podre


Escrevem muito bem e dão sempre grandes lições de moral, até que se descobre que o telhado era de vidro: Baptista-Bastos, mais um artista português.

Gostei de ler o seu ARGUMENTO DA HONRA a propósito da reforma de Eanes, mas a seguindo a mesma lógica, como não acredito que um escritor e jornalista viva propriamente em circunstâncias miseráveis, que justifiquem o apoio estatal, considero que deveria repor o dinheiro que indevidamente arrecadou, pela renda que não pagou. Pelo que disse ao EXPRESSO não será esta a sua intenção.

  • Baptista-Bastos e o mistério da Estrada da Luz
    Há 14 anos a CML atribuiu ao escritor e jornalista Baptista-Bastos um andar em Benfica, na Estrada da Luz, era Jorge Sampaio presidente da autarquia e João Soares vereador da Cultura. “Não há aqui prendas. A casa que alugava há 32 anos em Alfama estava a cair, eu tinha três filhos e não tinha meios. Escrevi à presidência a pedir uma casa”. Garante que a sua situação económica foi avaliada e que foi celebrado um contrato de arrendamento, que se mantém. “Quanto pago é privado”. E conta como sempre fora prática comum a atribuição de casas a jornalistas e artistas. Nos anos 80, foi chamado à CML por Abecassis. “Tinha uma casa para mim. Disse-lhe que não. Quando precisei pedi”. Na altura em que se mudou para Benfica, comprou casa em Constância.
    E-EXPRESSO (Assinatura) 27.09.2008


Se sempre foi prática atribuir uma casa a jornalistas e artistas, privilégio que como simples contribuinte desconhecia, então a CML deve publicar uma lista completa com o nome de todos os bobos da corte. É injusto o Baptista-Bastos ficar com o “azar” da denúncia, mas pior ainda é saber que há mais 3.200...

O argumento da honra exige que o passo seguinte seja o fim dessa prática terceiro-mundista. Se quisermos construir um país moderno, temos de nos relacionar de modo transparente. É preciso que o Estado institua regras conhecidas e respeitadas por todos.

  • Há mais de 30 anos que o esquema existe e, normalmente, tem sido o vereador da Habitação, ou os seus serviços - quando não o próprio presidente da Câmara -, a conceder aquelas habitações de forma directa. A gente pobre, mas também a amigos, a artistas, a familiares, a correligionários.
    A média das rendas cobradas é de 35,48 euros,
    mas ninguém sabe ao certo qual a percentagem das que são pagas.
    Estas casas - palácios, moradias, apartamentos, lojas - fazem parte do chamado Património Disperso e, segundo um estudo da Universidade Lusófona, “a CML não sabia, nem sabe, do que é dona”.
    EXPRESSO (Assinatura) 27.09.2008


Se a situação perdura à 30 anos, isso significa que já todos os partidos com possibilidades de chegar ao poder partilharam este bolo. Não posso deixar de perguntar porque é que só agora surge a denúncia. É uma clara demonstração de que o sistema político está podre.

A mão-invisível do mecanismo dos preços foi substituída pela teoria do "olhamento", curiosa expressão para referir o arbítrio nas regras:

  • Os abusos na atribuição de casas pela autarquia eram, afinal, justificados pelas melhores razões: do Presidente da República à esposa do primeiro-ministro, todos metiam cunhas e pediam casas, mas sempre a favor do pobrezinho desamparado. A cunha, boa parte das vezes, não beneficia directamente o próprio e é feita com o argumento de reparar uma injustiça. O problema é que, sem a existência de regras claras e justas, passa a haver uma espécie de fotogenia da pobreza: beneficiam aqueles que melhor comoverem os poderosos. Claro que atrás do pobre vem o motorista do Presidente que mora longe, coitado, e atrás do motorista vem a funcionária que se divorciou e não tem para onde ir, e atrás da funcionária vem o filho da funcionária, que também é filho de Deus.
    O CASO 'LISBOAGATE' E A CULTURA DA CUNHA, Diário de Notícias, 30.09.2008



Haverão regras mais claras e justas que cada qual pagar a casa que habita?

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